Espaço liminal: extensões sensoriais como interpretação intradiegética na instalação “Vois Ce Bleu Profond Te Fondre” de Laure Provoust
Resumo: Este artigo procura refletir sobre o trinómio Espaço-Ritual-Experiência em instalações artísticas. Utilizando como caso de estudo a instalação “Vois Ce Bleu Profond Te Fondre” de Laure Provoust, será analisado a concepção orgânica e a composição arquitectónica da instalação de arte como forma de promoção de um espaço liminal através de extensões sensoriais do objeto artístico central, ao exortar à interpretação intradiegética sensorial a improváveis neófitos. Palavras-chave: Instalação de Arte, Espaço liminal, Ritual, Multissensorialidade, Laure Provoust
Abstract: This article seeks to reflect on the trinomial Space-Ritual-Experience in art installations. Using the installation “Deep Blue Surrounding you” by Laure Provoust as a case study, will be analysed the organic conception and architectural composition of the art installation as a way to promote a liminal space through sensorial extensions of the central artistic object, by exhorting the intradiegetic sensorial interpretation to unlikely neophytes. Key-Words: Art Installation, Liminal Space, Ritual, Multi-Sensoriality, Laure Provoust
1. Laure Provoust: o vídeo e as suas possíveis extensões sensoriais Tendo na sua génese o vídeo como ferramenta principal de expressão artística, mas também o desenho, a tapeçaria, a cerâmica, a fotografia, a performance e, acima de tudo, a linguagem, o trabalho de Laure Provoust, artista premiada com Turner Prize em 2013, mistura cada vez mais a ficção e a realidade em estreita dependência dos dispositivos que instala. O convite para expor na Bienal de Veneza 2019 por parte do Ministério da Cultura de França e o facto de a artista estar sediada em Londres e Antuérpia levaram Laure Prouvost a questionar os conceitos: “Representação nacional”, “Geração” e “Identidade”. Em conjunto com a curadora Martha Kirszenbaum concebeu “Vois Ce Bleu Profond Te Fondre”: uma viagem escapista pelo subconsciente imaginário, motivada por um roadmovie que deambula desde os subúrbios parisienses até ao norte de França, do Palais du Facteur Cheval até ao Mar Mediterrâneo e finalmente até Veneza. O carácter surrealista e onírico que Provoust imprime a esta instalação, desafia a ideia de um mundo globalizado, de conectividade e de discrepâncias, numa sociedade timbrada pelo individualismo e constante mudança.
Invertendo literalmente os princípios arquitectónicos do Pavilhão da França, no Giardini de Veneza, Provoust, utilizou como metáfora e fonte de inspiração, o organismo Polvo – um cefalópode sem esqueleto, de extrema agilidade e destreza que divide o seu cérebro pelos variados tentáculos – e, instaurou uma nova ordem arquitectónica do espaço. A entrada principal transformou-se em saída e a cave em entrada principal. Tudo circunda o objecto artístico central: a cabeça do polvo, a peça central, a sala principal onde o filme dessa viagem é exibido. Tudo o resto, são extensões sensoriais do filme: vários tentáculos de um polvo que intuem integrar todos os transeuntes na narrativa central da obra. Ilya Kababov descrevera esse mesmo facto com alguma pertinência: “…o espectador é completamente livre porque o espaço que o rodeia e a própria instalação são totalmente indiferentes ao que contêm. (…) é como se quisera dizer que ele (espaço) existe…” (Kabakov 2014:9) em simbiose orgânica.
Talvez seja nessa ilusão de apreensão de espaços – realidades – e na vontade de desconexão do mundo exterior que gravite o cada vez maior sucesso destas propostas artísticas que predispõem o visitante ao ato exploratório de novas realidades e de experiências improváveis. Penso, no entanto, como procuro salientar ao longo deste artigo, que o equilíbrio alcançado entre a prática artística e o seu público muito deve à harmonia ergonómica do trinómio Espaço-Ritual-Experiência na concepção de experiências imersivas, enquanto base efectiva de um espaço liminal.(1)
2. Análise da experiência empírica em “Deep Blue Surrounding you” Retratando a viagem ao subconsciente, Provoust deixou que o filme – c. 30 min., com edição rápida, de narrativa fragmentada e com jogos de palavras e expressões entre os idiomas (francês e inglês) – se desenrole através das várias figuras representadas. Na procura de evocar um novo ecossistema, angariou diferentes talentos (mágico, rapper, dançaria, flautista) de duas gerações. Talvez estes “tentáculos” sejam projecções de futuro ou íntimos desejos análogos à personalidade da artista: funcionam com dedos de uma mão que tateia, explora e descobre o que a rodeia: elementos inter-dependentes com relativa autonomia dentro de fronteiras pré-estabelecidas.
2.1. A cave: uma porta que separa o espaço “sagrado” do espaço exterior O trajeto indica um trilho sinuoso, por entre arbustos e as paredes exteriores laterais do edifício, até à pequena porta da cave. Presenciar as fundações do edifício, o cheiro intenso de humidade, o lado mais grotesco da nobre arquitectura revela, por um lado, a fragilidade da estrutura; por outro lado, “purifica” o olhar de um simples visitante, transformado-o em explorador atento. (Figura 01) O rasgo de luz natural que faz salientar as escadas para o primeiro andar, sugere uma perfeita e agradável escapatória.
2.2. Sala de entrada: localização preliminar provisória: transição para a “sala” principal Ao subir as escadas, o branco imaculado das paredes, iluminado pela luz natural, é um símbolo de um lugar consciente. Em contraste, o chão enresinado de tom azulado onde detritos vários (cigarros, telemóveis, cascas de ovos, uma mão,…) são várias pequenas esculturas de vidro Murano (pássaros, cobras, …) que se encontram encrustadas na superfície translúcida. No canto da sala, uma pequena abertura permite antever a próxima divisão atiçando a curiosidade. (Figura 02)

Em suma, este espaço cria uma introdução ao tema central da obra, induzindo o visitante num ambiente iniciático. Contudo, é necessário dizer que esta interpretação é ainda extradiegética: embora exista uma reflexão sobre o meta-tema “equilíbrio global” / “modernidade liquida” (Zygmunt Bauman), a interpretação da realidade presenteada é apenas objetiva: factual. Ainda assim, existe um apelo à reflexão e ao estabelecimento de um paralelo entre o meio-ambiente e a condição de ser humano.
2.3. Sala e o objecto principal Entrar na sala central implica remover todas as camadas de cortinas com as próprias mãos, como se das entranhas aveludadas as e secas com de um molusco se tratasse. (Figura 03) A saída atribulada do volátil túnel háptico é premiada com uma composição inspirada no “fundo do mar”: o escuro translúcido da leve estrutura de arame e tecido cobre toda a sala, deixando ver – fazendo sentir – a arquitectura do pavilhão, tal como se a estrutura estivesse imersa dentro de água ou num grande invólucro. Numa tela ( c. 6 x 4,5 m) ao centro na sala é exibido o filme produzido por Provoust . A luz latejante e o ambiente lúgubre anunciam a entrada no subconsciente. A composição arquitectónica da instalação obedece à pertinência da narrativa: várias construções em areia escura, similares a uma rocha, são base de suporte a assentos de carro ou cadeiras de praia. As irregularidades do chão feitas de carpetes, exaustivamente pintadas com texturas de areia, relevam a inconstância deste novo ambiente. (Figura 04)
A cor do filme domina a tonalidade da sala: rasgos de azul iluminam o teto quando a câmera está debaixo de água. Perfomances “saem” da tela e actuam in loco durante alguns minutos. A contínua incidência de imagens relacionadas com o mar e a viscosidade sugerem, por vezes, cheiros. Nota-se, por isso, que existe uma interdependência do espaço instalativo com os vários temas descritos no filme. Tudo parece gravitar em torno do que é apresentado e representado: quem somos e para onde vamos enquanto indivíduos à escala planetária. Segundo Provoust, “Existe também a ideia de derreter e misturar em visões mais ou menos fortes, que se relacionam mais com as sensações.” (L´Institut Français 2019:10) Esta apreensão concertada de estímulos radica na interpretação direta do espaço e da obra, sendo por isso, intradiegética: onde o explorador é protagonista da história.
2.4. Salas complementares As duas possíveis saídas da sala principal direcionam os visitantes para salas complementares. Nestas, encontram-se pequenas instalações anexas referentes a cenas integrantes do filme exibido. É inevitável, devido à sua similitude, recorrer às memórias de curto-prazo promovidas por Provoust. O simbolismo que transportam reforça o tema central: o equilíbrio retratado pelo trapézio do ginasta; a inércia por um escritório com mesa, telemóvel, cinzeiro e televisão; a ilusão óptica através duma fonte, intitulada “O Fim do Sonho”, onde três peixes que jorram água de diferentes maneiras, são visíveis somente através de luz intermitente. (Figura 05 e 06)
Depois das inúmeras vivências experienciadas, o explorador encontra-se mais uma vez numa prova de confiança: no final do pequeno corredor escuro, a luz natural que desenha o contorno de uma porta – como se tratasse da Caverna de Platão – confirma a decisão de sair. Assim que se sai, é-se premiado com a neblina fresca onde a viagem começou. (Figura 07)

3. Ritual Entrelaçada por vários pontos de contacto numa harmonia fragmentada de várias narrativas, a instalação obtém uma condição singular própria de site-specific. Esta condição singular volta a conotar na obra de arte o seu valor parasitário dentro de um ritual, o qual segundo Walter Benjamin havia sido libertado pela primeira vez na história do mundo da reprodutibilidade. Benjamin (2003:51) Benjamin referia-se às obras mais antigas que surgiram ao serviço de um ritual: primeiro do mágico e depois do religioso. Para ele, o “…valor único e insustentável da obra de arte “autêntica” tem sempre o seu fundamento no ritual.” (Benjamin 2003:49) A criação desse valor ritual potencia a unicidade da obra, concebe uma “aura” e premeia a instalação de valor simbólico através das formalidades induzidas inconscientemente codificadas pelo espaço e a pela predisposição de objetos, qualidade intrínseca de um ritual.
Mas o que é então um ritual? Em que moldes funciona? Na procura de uma definição do termo ritual que sustente esta especulação, teríamos de mencionar alguns autores que trabalharam e ainda trabalham sobre o conceito e as suas definições. Depreende-se, por isso, que o significado do termo “ritual” evolui paralelamente adaptando-se à civilização do presente, já numa era pós-digital.
Em 1909, Arnold Van Gennep publicou Les Rites de Passage, uma investigação em torno do quadro analítico do que se entende por “Ritual”. Este livro (2) refere-se à dicotomia entre o “sagrado” e o “profano”, sugerindo que um “ritual” seria “acompanhar uma passagem de uma situação para outra ou de um mundo cósmico ou social para outro.” (1960:10): uma passagem entre esses dois mundos. Para melhor entender o sentido de ritual, convém considerar outros quatro ensaios – “Essays on the ritual of social relations” (1962) – , publicados em conjunto por Gluckman, Forts, Forde e Turner, que demostram o consenso em relação à expressão Ritos de Passagem. Mais tarde, seguindo as investigações de Durkheim e Radcliffe-Brown, Gluckman, entre outros, investigaram as alterações das relações sociais, mantendo como base analítica os ritos de passagem para a explicação de um ritual. Embora nenhum dos autores tenha utilizado a aludida dicotomia entre “sagrado” e “profano” como base da investigação, um consenso subsistiu: existe uma transição entre relações sociais: as relações sociais individuais alteram-se antes e depois de um ritual. (Lan 2018:2-3) Victor Turner concebe, mais tarde, uma dialéctica sobre este ciclo de desenvolvimento no seu livro “Processo Ritual: Estrutura e Anti-estrutura” (Turner 1969) como “tentativa de compreender algo desse processo social total de interacção e interdependência, bem como das disjunções, às vezes frutuosas, entre acontecimentos ordenados donde se origina o pensamento independente.” (Turner 1974:6) Por outras palavras, compreender esse consenso: o sentido legítimo de autoridade que os rituais concedem quando estruturam e organizam posições de indivíduos e valores morais, quiçá éticos, numa sociedade. A forma que adquirem “define-se por posição a uma matéria que lhe é estranha; mas a estrutura não tem conteúdo distinto: ela é o próprio conteúdo, apreendido numa organização lógica concebida com propriedade do real.” (Lévis-Strauss 1993:121)
Deste modo, partindo do pressuposto que os rituais promovem um espaço transitivo onde existe a possibilidade de alterações de valores morais e das posições dos indivíduos numa sociedade, e que a sua estrutura funciona independente do conteúdo, sendo por si só conteúdo, seguiremos o caminho já trilhado por “gigantes” (3), regressando, desta forma, às profundezas de “Deep Blue Surrounding you” de Provoust que, no fundo, motiva este périplo.
4. O lugar ritual e o produto excedente Numa análise ao aspecto estrutural da instalação de Provoust é possível reconhecer a influência do espaço sobre os visitantes tanto na arquitetura do espaço quanto da narrativa: uma instalação de arte construída como um templo; um lugar ritual. Poder-se-ia até dizer que existe uma tripla estratégia de conexão com os visitantes:
a) A narrativa produzida no vídeo evoca várias camadas de interconexão entre o espaço fisico e o representado na instalação: objetos, performances e várias salas;
b) Por sua vez, a disposição arquitectónica das salas prepara a apreensão dos visitantes, criando paralelos intra e extradiegéticos sensoriais com intuito empático de uma interpretação subjetiva: transformado-os em protagonistas da mesma narrativa;
c) A existência de um percurso delineado, embora não demarcado de forma persuasiva, mas tentando ser o mais orgânico, revela uma estrutura bastante rígida que facilita a livre fruição e interpretação de todos os elementos expostos.
Tais estratégias criam um interessante paradoxo: se tudo o que se encontra na instalação está dirigido a esse único actor – o visitante – o filme ali produzido também se encontra no centro, exercendo forças gravitacionais com os vários elementos expostos na sala e coexistindo em harmonia com o neófito mais tarde nomeado explorador.
Desta forma, proporciona-se a imersão neste espaço construído através do apelo à excitação da memória social e histórico-cultural. Ilya Kabakov, numa reflexão empírica deste momento, escreveu:
“Uma sensibilidade abundante, a ativação de associações pessoais subjetivas e a memória profunda durante todo o tempo que se está dentro da instalação favorecem o aparecimento no espectador desta sensação adicional. Ao trabalhar nas minhas primeiras instalações, percebi que este oriundo“produto excedente” transmite inevitavelmente a toda a instalação uma aparência específica e a noção de ser como um lugar ritual.” (Kabakov 2014:157)
Nesse sentido, a interpretação holística dessa nova composição – desse produto que sobeja – transcende o significado do espaço, criando um lugar sagrado e de ritual. Provoust explora também esta ideia em alguns dos seus trabalhos : o paradigma da rotina social de todos os domingos, outrora para igrejas, agora (4) para museus. Seria que uma blasfémia pensar que todas as instalações construídas em galerias e os museus pudessem inscrever os mesmos propósitos, ou mesmo realizar de forma equivalente as metas que as igrejas cumprem. Evidentemente que não e quero tal analogia pode até ser impertinente. Contudo, existem interessantes paralelismos que devem ser estabelecidos por uma reflexão dos hábitos e costumes sociais. Consequentemente, a própria disposição de elementos, através de métodos e dispositivos, confere (num nível subconsciente) uma semelhança com o que Kabakov chama lugar ritual: “Estes elementos “sacralizam” as instalações por alguma razão incompreensível.” (Kabakov 2014:162) Depreende-se, por isso, que essa “razão incompreensível” advém das várias influências – memórias de curto prazo proliferadas no espaço fisico por Provoust. Interpretadas intuitivamente por entre e por dentro do percurso através da experiência subjectiva de cada visitante, exercem no nível inconsciente desses novos exploradores o poder de criação de um novo espaço mental dentro do espaço físico, como se o interior (a toca) do polvo estabelecesse “o ponto referencial de orientação para a estrutura espacial do lugar sagrado.” (Turner 1974:36) Aparece assim como um espaço que se constrói através desse produto excedente, à margem (Van Gennep) do quotidiano, no limiar (5) (Turner) do real e na fronteira do visível.
5. Espaço liminal e improváveis neófitos Consecutivamente, a par e passo, durante o processo de exploração, os visitantes que aceitam as propostas de imersão de Provoust, desconectam-se gradualmente do quotidiano assimilando novas narrativas, novos domínios de reflexão através dos elementos expostos. Commumente, numa realidade complexa prenhe de estímulos o tempo de reação encurta-se, o foco de atenção desloca-se inconscientemente das previsíveis rotinas diárias para a apreensão de uma nova realidade com nova: um espaço reconstruído mentalmente. Por conseguinte, a soma do espaço mental e físico, resulta numa projeção emocional e empática de um novo mundo: com os seus tempo e espaço próprios. De portas cerradas a influências externas, esses novos exploradores sentem-se preparados para uma iniciação no seio da obra de arte. Essa vontade exploratória convida os corpos a ficar fechados como se tratassem, usando uma frase do filme: “de um insecto dentro de uma flor”, quais neófitos.
Esse espaço indefinido, na ténue fronteira entre ficção e realidade, em muito se assemelha com o que o Victor Turner denomina de “espaço liminal”:
“Liminaridade é a passagem entre “status” e estado cultural que foram cognoscitivamente definidos e logicamente articulados. Passagens liminares e “liminares” (Pessoas em passagem) não estão aqui nem lá, são um grau intermediário. Tais fases e pessoas podem ser muito criativas em sua libertação dos controles estruturais, ou podem ser consideradas perigosas do ponto de vista da manutenção dia lei e da ordem.” (Turner 1974:5)
Perante a face mais tangível da arquitetura destas instalações, Kabakov conclua:
“Aqui há qualidades e sinais que confirmam esta semelhança: o fechamento; a separação do mundo; a distribuição das premissas que orientam de maneira muito precisa a atenção e o movimento de uma pessoa que entra nele; a organização da luz; a orientação sobre as paradas, a cessação da passagem do tempo.” (Kabakov 2014:161)
Na coexistência de sinergias entre o espaço físico e mental depreende-se a existência de dois sistemas abertos – biológico e mecânico – corpo e instalação em equilíbrio dinâmico. Nesse sentido, reconhece-se a necessidade de manter as condições internas estáveis através de ajustes feitos por mecanismo de regulação independentes de condições ambientais externas: um sistema homeostásico definido pela bio-política do corpo. (Foucault) Assim, a obra ao despoletar essa reação, através da identificação e da memória, contempla em si uma utilidade prática do valor ritual: “…ver a figura do antepassado é fortalecer a capacidade sobrenatural do que vê…” (Benjamin 2003:51).
6. Conclusões: Espaço-Ritual-Experiência A engenhosa narrativa no espaço arquitetado pela artista através do percurso, da iluminação natural e artificial, da implementação de memórias de curto-prazo de possível identificação subjetiva funcionam como extensões sensoriais variada índole. Este fenómeno exorta, por isso, a perceção cross-modal do ambiente e favorece a interpretação intradiegética do tema central da obra, gerando um ambiente inciático e promove a construção mental de um espaço liminal, onde os múltiplos estímulos externos transformam os improváveis e ocasionais visitantes em néofitos. Um espaço transitivo onde existe a possibilidade de ocorrerem alterações de valores morais. Por conseguinte, constata-se que é da otimização ergonómica e operativa do trinómio Espaço-Ritual-Experiência que depende eficácia das instalações de arte imersivas. Estas promovem alterações profundas nos modos de ver (Berger) adulterando inclusive a própria interpretação da dimensão espaço-tempo, face a um por enquanto lugar ritual de contemplação e possível reorientação.
Notas de rodapé
(1) Substantivo derivado da palavra latina limen. Significa, em psicologia, um limiar abaixo do qual um estímulo não é percebido ou 1 não é distinguido de outro.
(2) Os Ritos de Passagem
(3) Arnold Van Gennep, Claude Lévis-Strauss e Victor Turner
(4) Por exemplo, em If it was (2015), trabalho apresentado no museu Hause der Kunst em Munique, Laure Provoust especula sobre este tema no vídeo realizado para a instalação. A sua proposta foi clara: desvendar não só o que por debaixo do chão se encontrava na grande sala de entrada nessa galeria, mas também, e utilizando esse conceito como metáfora, explorou criativamente e com certa jovialidade as camadas necessárias mais indirectas e de menor interpretação pictórica referentes à instituição “Museu”.
Bibliografia
Benjamin, W. (2003). La Obra de arte en la época de su reproducibilidad técnica. México. Editorial Ítaca.
Kabakov, I. (2014). Sobre la Instalación Total. México, Cocom Press.
Lan, Q. (2018). Does ritual exist? Defining and classifying ritual based on belief theory. Journal of Chinese Sociology.
L´institut français. (2019). Press Kit – Laure Provoust at the 58th International Art Exhibition.
Lévi-Strauss, C. (1993). Antropologia Estrutural. Dois. Rio de Janeiro. Edições Tempo Brasileiro Ltda.
Van Gennep, A. (1909). Les Rites de Passage. Paris, Nourry.
Van Gennep, A. (1960). The rites of passage. Chicago: University of Chicago Press.
Turner, V. (1974). O processo Ritual. Estrutura e Antiestrutura. Petrópolis, Rio de Janeiro. Editora Vozes Ltda.
Sitografia
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Laure Prouvost creates a surreal, liquid universe within the french pavilion in venice. (2019, Junho 7). Disponível em: https://www.designboom.com/art/laure-prouvost-french-pavilion-venice-biennale- 06-01-2019/
Laure Prouvost. (n.d.). Disponível em: https://lux.org.uk/artist/laure-prouvost
Laure Prouvost représente la France à la 58ème Exposition internationale de Venise – La Biennale di Venezia. (2019, Maio 25). Disponível em: https://www.if.institutfrancais.com/fr/actualite/laure-prouvost-representela-france-a-la-58eme-exposition-internationale-de-venise-la
M HKA Museum of Contemporary Art. (n.d.). Disponível em: https://artmap.com/muhka/exhibition/ laure-prouvost-2019
Venice Biennale: discover the French Pavilion of Laure Prouvost. (2019, Maio 7). Disponível em: https://www.numero.com/en/art/laure-prouvost-venice-biennale-french-pavilion-art-cover-deep-see-blue-surroundingyou#